A Cultura Tropeira e sua Influência na Gastronomia de Minas Gerais
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De acordo com as pesquisadoras Ângela V. Botelho e Liana M. Reis (2001, p. 310), “tropeiros” era a denominação aplicada a:
homens que conduziam tropas de muares, burros e bestas e penetravam no interior do Brasil transportando todo tipo de cargas e mercadorias.
O cavalo foi introduzido na Colônia pelos portugueses como meio de locomoção e transporte, sendo também utilizados nas guerras.
“Devido ao alto custo e à escassez desse animal, os que mais se adaptaram às ‘picadas” e as trilhas foram o burro e o jumento. Descritos nas obras dos viajantes – Eschwege, Saint Hilaire, Spix e Martius, entre outros -, os tropeiros ocuparam papel de destaque nos séculos XVIII e XIX principalmente em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
O tropeirismo foi atividade de grande importância para a história econômica do Brasil, e em particular, nas regiões de antiga mineração, atividade produtiva que viveu seu apogeu nos séculos XVIII e XIX.
Percorrendo caminhos e trilhas que ligavam distantes localidades das regiões sul, sudeste e centro-oeste, a atividade foi responsável pelo desenvolvimento do comércio de mercadorias e de animais de carga numa época em que o sistema de transporte dependia quase que exclusivamente destes cargueiros.
De acordo com Antonio Filho (2011, p. 151), a propósito, “o tropeirismo tornou-se uma verdadeira instituição, um modo de vida, com costumes peculiares e regras bem definidas para os diversos tipos de trabalho que envolviam aquela atividade.
Tornou-se, enfim, uma autêntica cultura incorporada à sociedade e fundamental para dinamizar sua existência material”.
Eram os tropeiros que, no lombo de mulas atravessavam os sertões do hinterland brasileiro, levando cargas e realizando longas viagens a fim de comercializá-las.
As mulas eram levadas do Rio Grande do Sul para a feira de Sorocaba, no estado de São Paulo (STRAFORINI, 2001).
Santos também era um centro de negócios desses animais de carga, assim como Congonhas do Campo, em Minas Gerais.
Os tropeiros, originários da Capitania de São Paulo,transportavam alimentos, roupas, escravos, animais, ferramentas, armas e artigos manufaturados para os povoados mineiros, retornando com o ouro.
Os tropeiros transportavam tudo no lombo de burros e mulas, e nas paradas dessas comitivas surgiram diversos povoados.
Uns se desenvolveram mais do que outros, dando origem a vilas, distritos e mais tarde, municípios.
As tropas caminhavam de quatro a cinco léguas diariamente (o que corresponde, aproximadamente a uma distância de trinta a quarenta quilômetros).
Nessas paradas, os tropeiros faziam roçados, plantavam milho e mandioca, para que as futuras tropas que por ali passassem pudessem alimentar as pessoas e os animais que as integravam.
Em relação à mandioca podemos enfatizar que se tornou o produto mais popular da alimentação brasileira desde o início da colonização.
Os bandeirantes, em suas incursões pelas matas, abrindo caminhos e clareiras, deixavam plantações de mandioca para que ao retornarem a determinados lugares, encontrassem alimento para refazer as forças dos integrantes de suas comitivas, desgastadas pelas longas caminhadas, pelo trabalho na garimpagem e pelas lutas contra os índios.
Debret e Rugendas além de mencionarem a mandioca com freqüência em seus textos representam-na também em sua iconografia.
Um dos desenhos de Rugendas reproduz, por exemplo, o trabalho escravo dentro de uma casa de farinha (DEBRET, 1993, RUGENDAS, 1998 a / b).
No século XVIII, com a descoberta de ouro nas Gerais, criadores da Bahia, começaram a levar o seu gado para as minas, seguindo o curso do Rio São Francisco – o rio dos currais -, onde as reses encontravam pastos e depósitos salinos.
Nas rotas dos tropeiros, os pontos de pouso e de feiras – vale ressaltar-, serviam para o comércio do gado, como também de produtos agrícolas e manufaturados para continuar a caminhada rumo ao interior.
Os pousos e feiras assumiram importância também como centros de fabricação e difusão de tecidos de teares manuais, para abastecer os tropeiros e a própria comunidade.
Com a melhoria dos caminhos que ligavam São Paulo às Gerais, as mulas gradativamente foram substituindo os escravos no transporte de cargas e mantimentos para a área mineradora, assim como na descida do ouro para os portos de Santos ou de Parati.
Às margens dos novos caminhos surgiam plantações de milho para alimentar os muares, assim como locais de pouso para condutores que muitas vezes traziam de longe, mensagens, cartas e notícias para os moradores.
Merece destaque, ainda, então, a criação de suínos cujos subprodutos – toucinho e banha –, eram amplamente consumidos pela população das Minas Gerais (muitas vezes desenvolvida nos quintais urbanos ou rurais).
A dieta dos tropeiros marcou a culinária do brasileiro nas várias regiões por eles percorridas.
Os alimentos empregados no preparo de sua comida tinham que ser duráveis, secos e fáceis de carregar além de proporcionarem energia suficiente para o trabalho.
Com sua atividade, aos poucos foram se regionalizando hábitos alimentares que faziam parte do seu dia-a-dia, do seu espaço vivido.
Sua dieta baseava-se, em geral, em alimentos não sujeitos à fácil deterioração, como feijão, toucinho, fubá, farinha, café e carne salgada.
Quando os pousos se davam próximos a algum lugarejo, se buscava nas vendas, carne e lingüiça, além de outros alimentos, que lhes permitiam uma diversificação de dieta.
Em cada localidade, novos produtos eram adquiridos para serem consumidos; e outros, eram aí vendidos.
O “feijão tropeiro” se expandiu por todo o caminho percorrido por esses viajantes intrépidos.
Seus ingredientes básicos são: feijão, ovos, farinha de milho ou de mandioca, carne seca (de boi ou de porco), ou ainda linguiça.
Porém sabe-se que, dependendo da região, o prato apresenta variantes em relação aos tipos de carnes salgadas, ou mesmo, em relação à(s) forma(s) de preparo da iguaria e ao local onde os tropeiros cozinhavam o feijão.
Além da culinária, a atividade do tropeirismo contribuiu para a integração territorial das diversas regiões de Minas e teve grande importância no desenvolvimento econômico da região, no seu povoamento e formação de uma identidade regional.
E mesmo com o enfraquecimento do movimento tropeiro, as influencias deixadas por ele podem ser percebidas até os dias atuais em localidades como os distritos e a sede da cidade de Ouro Preto, bem como em outras regiões do estado de Minas Gerais.
Retirado do texto: A Produção de Alimentos Tradicionais em Territórios Rurais e Urbanos
I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS
Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012
Autores: Henrique Moreira de Castro
Prefeitura Municipal de Betim – MG / Secretaria de Governo
hmc8@terra.com.br
José Antônio Souza de Deus
Programa de Pós-Graduação em Geografia
Instituto de Geociências / UFMG
jantoniosdeus@uol.com.br
Paulo Henrique Correia da Silva
Escola Estadual Custódio Félix- Ribeirão das Neves/ MG
pauloleo_255@yahoo.com.br