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Por Ale Staut, de Teresina, Piauí
Fotos Luna Garcia |
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Bacuri |
Quando o assunto é cultura nordestina, o Piauí ainda é
pouco citado. Pura injustiça. O Estado é surpreendente para quem gosta
de descobrir novos costumes e tradições. Nesse contexto, a gastronomia
local tem um destaque todo especial. E seu povo, orgulhoso, adora
celebrá-la. Basta sair às ruas da capital e perguntar a qualquer pessoa qual o prato
típico do lugar. Você vai ter uma aula sobre os sabores da terra e,
logo, vai sair pela cidade com todas as dicas de onde comer a carne de
sol perfeita, o melhor capote (galinha-d’angola) e quem faz a melhor
Maria Isabel (mistura de arroz com carne de sol em cubinhos e legumes).
Vai saber ainda onde provar um crocantíssimo bolo frito e o doce de
limão mais cremoso.
Para entender melhor o Piauí, é preciso um parêntese histórico. Ali,
como em todo o Nordeste, a culinária local foi estabelecida pelos
indígenas. A base da alimentação era milho, farinha de mandioca,
palmito, macaxeira cozida, abóbora, peixes, preás, mel e
pimenta-da-terra. Depois, com a chegada dos portugueses e africanos,
houve o interesse pela carne vermelha e pelos frutos locais, como o
bacuri, a manga, o buriti – até hoje extraído de palmeiras nativas, como
naquela época. “Essa técnica é simples e ainda muito comum aqui. E
mostra que a tipicidade local está em utilizar esses ingredientes que
crescem no meio do mato. O receituário, porém, se sofisticou”, diz o
chef Luciano Mendes, responsável pela cozinha do bistrô anexo à loja de
vinhos Grand Cru.Pelo jeito, extração parece mesmo ser a palavra-chave quando se fala
nessa culinária, que esbanja receitas com frutas. Um reflexo natural da
abundância de árvores frutíferas que compõem o Estado. A capital,
Teresina, aliás, é toda cheia de mangueiras e buritis, que enfeitam as
calçadas, os quintais, as praças e os parques públicos. Além de muito
verde, o que chama atenção na cidade é a quantidade de barraquinhas de
comida típica. Nelas, vendem-se pirão de carne, muitos tipos de farofa e
frituras diversas, como a de ovos, de galinha, de capote, de caças e,
ainda, torresmos. O cardápio inclui a paçoca, um prato indispensável na
mesa do piauiense, e o batido de carne, que leva carne fresca picadinha
com macaxeira, maxixe, jerimum, abóbora e quiabo. Tudo isso regado a
muito cheiro-verde, manteiga de garrafa e nata. Esse passeio pelas
barracas é mesmo para quem tem fome. Na comilança obrigatória estão
também os pratos de carne com folhas, como a vinagreira e unanimidades
locais como a Maria Isabel, preparo em que o arroz pode ser misturado
não apenas à carne-seca de boi, mas também à de bode, capote, galinha
caipira e pato. “Cultura e gastronomia típica (boa) temos de sobra. O problema é que há
baixa estima da população e certo olhar do Brasil como se aqui
vivêssemos no meio da terra seca”, diz Sandra Terra, secretária de
Cultura do Estado há oito anos. “As coisas estão mudando. Hoje, o
piauiense já tem esse sentimento de pertença de sua terra e de suas
tradições.” Sandra ainda observa que à medida que o povo se dá conta de sua riqueza
cultural e culinária, a gastronomia local se aprimora. “Além disso,
percebo que o paladar fica cada vez mais apurado por aqui.”Justamente para qualificar tudo o que se refere à
culinária local, o Sebrae criou há dois anos o festival culinário Sabor
Maior, que acontece na cidade de Campo Maior, há 100 quilômetros da
capital. Nos dias em que a reportagem de PRAZERES DA MESA esteve no
Piauí, acontecia a segunda edição do evento gastronômico, que reuniu
quituteiros diversos, entre donos de restaurantes, banqueteiros,
doceiras, criadores de gado. “Resolvemos fazer o evento em Campo Maior, pois este é o berço da
culinária do Estado. A cidade já foi o maior polo exportador de carne de
sol do mundo, pois temos aqui muitos criadores de gado. Isso até o
porto da cidade de Parnaíba, no litoral, ser desativado. Como há
bastante matéria-prima no local, a gastronomia se incrementou”, diz
Céres Maria Rebêlo Macêdo, gestora de turismo do Sebrae. O crescente interesse pela culinária local abriu espaço para a criação
do primeiro curso superior de gastronomia de Teresina, na Universidade
Nova Fapi. “Sempre quis estudar gastronomia e acabei me mudando para o
Ceará, onde iniciei parte do curso na Universidade Federal de lá. Assim
que o curso daqui foi aberto, voltei para o Piauí”, afirma Zaira do
Vale, aluna da primeira turma do curso. A nova cena gastronômica local agradou em cheio aos gourmets, que antes
viajavam para Brasília e São Paulo em busca de novidades. Caso do
empresário Marcelo Albuquerque. “Hoje encontro bons restaurantes ao lado
de casa”, diz ele, que cria faisões – um de seus pratos prediletos – e
que faz questão de reunir amigos para prestigiar os restaurantes de
Teresina. Se há cinco anos era raro encontrar um restaurante mais gourmet na
capital, hoje há mesas que nada deixam a dever às de outras capitais
nordestinas. Exemplo disso é o bistrô da loja de vinhos Grand Cru e a
rede Favorito, do empresário Paulo Tajra Melo, que investiu nos últimos
anos em nove negócios. Todos diferentes entre si: o Favorito Aroma
Árabe, o Favorito Grill, o Favorito Pizzaria & Bar, um casual bar,
duas churrascarias, um restaurante de comida típica, um bistrô e uma
pâtisserie. “Cada um tem conceito próprio, numa interpretação clara de
que a tendência à diversificação traz benefícios à sociedade. Teresina
pedia restaurantes modernos e qualificados”, diz Tajra Melo. Num de seus restaurantes, o Favorito Bistrô, encontramos como chef
executivo Naim Santos, piauiense que fez bonito em São Paulo. Na capital
paulista, o currículo carrega passagens pelo restaurante Cantaloup e
uma grande experiência ao lado do francês Laurent Suaudeau. “Não tive
dúvidas quando recebi o convite para retornar ao Piauí. Precisava estar
aqui neste momento em que a culinária está em evidência”, diz o chef. Se há hoje mais espaço para a gastronomia contemporânea, com seus pratos
inventivos de inspiração internacional, Teresina nunca deixou de
preservar seus sabores primitivos. Isso pode ser visto tanto nas casas
mais sofisticadas – que não deixam de celebrar o receituário tradicional
– quanto nas mais simples, como no Pesqueirinho, um dos restaurantes mais pedidos conforme o proprietário, Edvaldo Robert
da Silva, é o ensopado de piau, o peixe de água doce que deu nome ao
Estado. Ali, com uma vista linda para o rio, é possível provar
frigideiras, caldeirões e mexidos de peixe, caranguejos refogados,
peixadas ao leite de coco de babaçu, pratos que ficam perfeitos com um
copo geladinho de cajuína, suco dourado de caju, considerado até pouco
tempo a expressão máxima da gastronomia local.
Fonte: http://prazeresdamesa.uol.com.br/exibirMateria/2880/piaui-muito-alem-da-cajuina